Quanto tempo tem o tempo da criança?


Esta semana recebi na sala uma folhinha seca trazida por uma das crianças. Todos se interessaram por ela e resolvemos deixá-la na mesa do atelier. Houve romaria para a observar atentamente...
Depois do lanche resolvi ampliar aquela experiência e na mesma mesa juntei folhas de papel, pincéis, tintas e  esponjas num convite à exploração.

 As cores daquela folha fora o mote e cada um explorou a tinta como desejou. 

Observámos ações combinadas em movimentos com ambas as mãos, muita mistura e tempo para as explorar. 

"Desde cedo as crianças investigam intensamente o mudo, fazendo dos objetos disponíveis alvos de investigação. Ao faze-lo usam o corpo TODO em movimentos que parecem suscitar o desejo de conhecer o MUNDO. Os materiais plásticos permitem essa experimentação, por isso, as misturas devem ser favorecidas e estimuladas desde cedo" Arte na creche-explorações plásticas-
No dia seguinte outras crianças trazem outras folhas, folhas de cores diferentes, formas diferentes...
 Não podia deixar de apoiar aquela fonte de interesse, estava a nascer ali, perante os meus olhos um novo projeto... o primeiro deste ano letivo...
«O trabalho de projetos e a documentação estão entre as principais escolhas operacionais que sustentam a ideia de escola que deseja dar à criança o justo protagonismo no processo de aprendizagem.(...) Dimensões que permeiam tanto o nosso modo de ensinar , bem como o modo como as crianças aprendem,.» Andrea Pagano- A reinvenção da educação infantil
Os nossos brincadores têm entre 20 a 24 meses e a linguagem oral está agora a ganhar força. Assim é comum assistir a alguns diálogos e até discussões entre pontos de vista.
Uma das criança ao observar a nova olha exclama «É uma árvore» (L), a outra criança defende »É uma folha.»(K.)
Sinto que devo apoiar a discussão e sugiro sair à rua para observar as folhas e as árvores.
Pertinho da nossa escola existe um jardim com algumas árvores e relva. Encontrámos a relva coberta de lindas e coloridas folhas que rapidamente suscitaram interesse do grupo. Sabiam bem o que iam procurar!
As folhas quando se pisam fazem sons engraçados, elas têm cores e formas diferentes e todos as pegam exclamando «Folha, folha!». Aproveito e pergunto «onde está a árvore?»
Correm para o tronco dela, tocam-lhe, olham para cima, apontando as folhas nos ramos.
Sinto que compreendem os conceitos «folha» e «árvore».
«As últimas descobertas da Neurociência sugerem que determinados estímulos e condições de contexto influenciam enormemente o desenvolvimento do cérebro, influenciando as possibilidades de aprendizagem de cada pessoa.» Relvas,2017
A Cristina levou um saco e resolvemos enche-lo de folhas para trazer para a sala.

  Enchem as mãos e correm a colocar as folhas dentro do saco. Caem e levantam-se mil vezes durante este processo!
Voltámos para a sala.
As folhas ficaram dentro do saco mas vamos voltar a elas em breve!

Logo pela manhã, no dia seguinte, recebi uma mensagem de uma das mães, sobre  uma surpresa que havia deixado na mesa do atelier...
Mal podia esperar por chegar à sala!!!
Pensei que poderiam ser novas folhas...ou uma casca de árvore, algo que a criança possa ter falado em casa...
mas aquilo que encontrei foi...extraordinário!!

Um cesto repleto de elementos naturais!!!
A C. apressou-se a apontar as folhas!!
Partilhou por todos os colega os elementos da cesta.
o resto foi pura exploração!!
Folhas e pinhas...

 Frutos variados, coloridos...
Tantas formas e cores...
 
E oportunidades fantásticas para testar as capacidades manipulativas, os movimentos mais finos, que são outro foco de interesse do grupo.
«Sobre o conhecimento, vou destacar a sua prespetiva relacional: relação com o contexto, com as outras crianças, com os adultos. Cada um de nós constrói aquilo que sabe, que pensa, que expressa através da relação com os outros, com o ambiente onde vive» Andrea Pagano- A reinvenção da educação infantil 

Parece-me importante refletir sobre o tempo, a oportunidade. Afinal quanto tempo tem o tempo da criança?

Acredito que cada criança leva o seu tempo a descobrir o meio, as suas alterações. Ela passa mil vezes pelos ambientes, vê, sente, toca e numa dessas ocasiões ela encontra o seu foco. sem necessitar que o adulto lhe indique o que deve ver.

Se ela o partilha com os outros, acredito que ela entenda a escola e aquele grupo como parceiros da descoberta e a sua vivência deixa de ser SUA e passa a ser NOSSA.
Como educadora posso apenas projetar formas de alargar essas vivências, dando oportunidade para aumentar as oportunidades para que a aprendizagem possa correr.
«Os professores acompanham as crianças no processo de aprendizagem.(...) O papel do professo não é somente ser um guia que leva a criança a conquistar conhecimento. Ele é também, e acima de tudo, é aquele que «celebra» o processo de conhecimento. Ele sabe que cada criança é um sujeito irrepetível e diferente de qualquer outra pessoa.» Andrea Pagano- A reinvenção da educação infantil 



E porque a criança é feita de relações, não podemos esquecer a importância da família. Esses parceiros que têm voz e porta aberta para fazer da escola a segunda casa da criança. 
Esta atitude de escuta, de apoio, de amplificação é dever de cada adulto.
«Desenvolver um projeto pede ao adulto a disponibilidade de se colocar cotidianamente em atitude de escuta das crianças, das suas curiosidades e questionamentos, e exige que saibamos alinhar esses elementos em direção da compreensão daquilo que acontece. Malaguzzi,1998