Somos essencialmente um corpo!

Somos essencialmente um corpo. Na creche sabemos que a criança conhece o mundo, o outro e a si próprio pela exploração desse corpo. Observa-se, toca-se, conhece pelo nome as diversas partes do seu corpo, explora os seus sentidos nas explorações que faz. Na nossa sala dedicámos algum tempo (largo) para acompanhar essa descoberta.
No recreio temos triciclos e uma bicicleta, sem pedais. Alguns de nós sabem pedalar, outros usam a bicicleta e treinam o equilíbrio andando nela sem cair e a alta velocidade...são muito ativos e cheios de vitalidade, é importante encontrar propostas que possam alargar essas capacidades e fortalece-las. Exploram velocidades e tempos, equilíbrios e relações de confiança entre quem tenta e quem apoia acreditando sempre que o outro é capaz! Motivam-se com palavras de encorajamento...nascem relações de afeto entre nós.
 Na sala temos investido nas atividades de largo alcance, sessões motoras com diversos recursos, caixas de cartão, tecidos, lanternas, papeis coloridos ( de celofane)... Nascem casinhas coloridas, onde a criatividade se une à cooperação e partilha de forças e de destreza ocular-motora... é preciso entender e testar a lateralidade, exercer o direito à escolha e ao dever de respeitar a ideia do outro...
Usamos túneis que despertam a curiosidade sobre o que existe do outro lado...andam de gatas, arrastam-se, ladram ,uivam, miam, grasnam...choram e riem muito uns com os outros... usam todo o seu corpo como veículo de expressão e comunicação, umas vezes em pequeno grupo, outras em monólogos divertidos!!

Escondem-se em casinhas iluminadas por uma lanterna, usam a ponta dos dedos para a ligar e desligar, a sua motricidade fina está ao dispor da sua criatividade... procuram o interior da caixa para encontrar um ambiente escurecido, sabem bem que para apreciar a luz é assim que deve ser, usam esses saberes já adquiridos em novas ou renovadas propostas de atividade.
 Partilham o espaço, apertam-se ficam bem juntinhos num espaço apertado... exploram capacidades e volumes... numa simples caixa de cartão...
 Nos dias de maior calor usamos a nossa piscina, tentamos nadar, colocando a cabeça debaixo de água e descobrimos que assim é impossível respirar, afinal os mergulhos podem dar tosse!
Testamos as nossas capacidades respiratórias e aprendemos a fazer apneia... sustemos o ar dentro de nós, abrimos os olhos debaixo de água e conseguimos ver os pés dos amigos... a visão e a respiração ao serviço do brincar... testando as capacidades físicas e sensoriais para aprender mais sobre nós e os elementos naturais como a água...  Levamos bolas coloridas e brincamos com elas, descobrimos que não afundam , mas que as podemos levar ao fundo fazendo força com as mãos.  E de novo a força, os volumes, as propriedades de cada elemento físico em constante parceria com o seu corpo!
Alguns de nós não gostam de se sentir molhados, porque a água é fria e faz bolinhas na nossa pele... preferem o calor do sol e a textura da areia nos seus pés. pernas e mãos...
Brincam com pás e baldes que enchem e esvaziam uma e outra vez...  partilham, sentem-se aquecidos pelo sol... protegem a cabeça com o chapéu e nunca se esquecem dele na sala.  Tiram os sapatos sem ajuda, descolam as fitas de velcro e retiram-nos dos pés num único movimento, usando até apenas uma das mãos... São autónomos nestas tarefas e cuidam de si próprios preparando-se para cada vivência...
Ás vezes brincam com a água à porta da sala protegidos pela sombra do telheiro. Usam pequenas tampas de plástico que enchem repetidamente sem entornar uma gota... Tanto equilíbrio, tanta destreza, tanto conhecimento das suas capacidades manipulativas..
 Na sala há sempre papel e suporte para desenhar...  agarram os lápis de canetas em pega de pinça, exploram a ação destes instrumentos em contato com o papel, fazem mais força e descobrem um traço grosso e marcado, num movimento mais delicado, criam linhas suaves... mudam de cor, riscam, rabiscam, criam cobras, retratam a mãe e o pai, uma maçã... registam a vida e o que nela existe, treinam a escrita, desenvolvem a linguagem oral.




São organizados e colocam em linha os lápis de cera nomeando as cores, formam conjuntos perfilados de tonalidades... observam, descodificam, executam...
As experiências entre a sua força e a sua ação continuam até que o papel se torna pequeno demais para tanta investigação...

Estendemos no chão uma folha maior, deitam-se nela, rabiscam de joelhos, sentados, estão juntos na folha mas em vivências completamente individuais, partilham apenas os recursos...
Exploram a noção de espaço e a sua criatividade.



 Não gostam só de usar lápis e marcadores, o pincel é um recurso comum nas suas produções. Boa pega por pinça. equilibro, cuidados para escorrer a tinta sem pingar a folha... um controlo fantástico da destreza ocular-motora, da sua coordenação e autonomia! Geralmente a arte transborda para a mesa... o que nos faz pensar que é preciso um espaço maior para pintar com qualidade... o corpo tem movimentos muito lagos que é preciso explorar. Então um dia tiveram uma surpresa...
 O chão da sala estava (quase todo) coberto de papel... Formos convidados a treinar a motricidade e a autonomia mais uma vez. É preciso retirar a roupa (deixando apenas a roupa interior) e os sapatos! Que desafio fantástico, alguns conseguem terminar a tarefa rapidamente e ainda sobra tempo para cooperar, ajudar os que revelam desequilibro ao tirar os calções, então é preciso ser apoio! Não entram na sala sem antes guardar os sapatos junto ao seu cabide, é bom ver que todos reconhecem os seus pertences!!
Na sala começa a aventura, «podem pintar» digo e a descoberta do corpo começa!!

Pintam os pés. a folha... a barriga... as pernas... o seu corpo é invadido por cores e temperaturas! Algum acham a tinta fria e preferem as mãos (cheias de tinta) do amigo nas suas costas...
a pele fica castanha, verde, amarela... cobrem-se de tinta como se aplicassem creme hidratante!!!


A sala ganha cor, descobrimos que afinal a folha é também pequena para tanta descoberta...
Vamos pintar a janela!!

Desconfiam da proposta... acham que não se pode pintar as janelas... falo em decoração, aprendemos que decorar e sujar são coisas diferentes...
Lançamo-nos ao desafio e nascem obras coloridas na janela da casa de banho!
 Deixamos um recado na parede «Por favor não limpar!»
 Durante uma semana a sala ganhou outra cor!
Somos essencialmente corpo, que sente à flor da pele o mundo, o outro, as coisas... 
O toque, a permissão para que ele exista é nota de que estou a conhecer-me e a conhecer-te... ligo-me a ti e muito a mim por esse toque, que transborda para o chão, o papel, o espelho...  Sou um corpo curioso e atento a ti, a mim e ao mundo...  é preciso estar à Escuta, saber ler o que importa sobre os interesses e necessidades do grupo e de cada criança. É preciso ampliar o que já sabem e promover novas descobertas usando este veículo fantástico, pelo qual descobrem a vida, afinal somos essencialmente um corpo!