Entre o convite e a provocação...
Há alguns dias encontrei uma reflexão na página Maria Brinca à Sombra, sobre esse momento do convite e da provocação. Durante semanas esta reflexão ecoava em mim e sentia necessidade de refletir sobre ela.
Neste momento em que o grupo havia terminado as pesquisas sobre o frio, e não havendo, por agora focos de interesse, faria sentido lançar um convite...
“Ser intencional é agir de propósito, com um objectivo em mente e um plano para alcançá-lo. Actos intencionais têm origem numa reflexão cuidadosa e são considerados pelos seus potenciais efeitos. Assim, um educador intencional ambiciona objectivos de aprendizagem claramente definidos, utiliza estratégias que apoiem as crianças a alcançar os objectivos, avalia continuamente o progresso e ajusta as estratégias com base nessa avaliação. O educador que pode explicar exactamente porque está a fazer o que está a fazer está a agir de forma intencional.” (Epstein, The Intentional Teacher)
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Esta frase encontrei-a ao pesquisar sobre a diferença entre provocação e convite (duas palavras habituais para quem conhece a abordagem pedagógica das escolas de Reggio Emilia). Isto porque há diferenças entre convite e provocação nomeadamente na sua intencionalidade. E isto revela-se mais do que uma curiosidade quando queremos criar momentos de exploração e investigação com os materiais e temos de saber qual o nosso papel antes durante e depois desse momento, que estratégia estamos a usar, porquê e para quê. Por, Sara Del Rio, Atelierista do Maria Brinca à Sombra
Havia na escola algumas máscaras de papel (pois estamos perto do Carnaval...) e resolvi leva-las para o nosso Atelier.
Sem qualquer indicação deixei por ali o material, num convite à exploração.
O que iriam as crianças fazer?
Apenas pintar?
Colocar as máscaras?
Chorar com medo?
Os diálogos surgiram imediatamente!!
«É uma cara!» C.
«Uma boca» L.
«Olhos, cu-cu!!» M.
Sim alguns tiveram medo, mas todos pareciam reconhecer ali um rosto em tudo igual ao seu.
Mesmo depois de as pintar, as crianças continuavam a afirmar o mesmo:
«É uma cara Nena?» M.
«É uma cara verde!» T.
Este foi um convite à consciencialização da imagem. Um rosto, um nariz, uma boca, EU. Eu por detrás da máscara, eu que lhe toco, falo sobre ela, eu que me encontro nela...eu que me assusto com ela...eu que me divirto a espreitar através dela...
Um convite colorido que se mostrou ser do interesse de todos.
Assim podem ser os convites, portas abertas, janelas encostadas que aguçam o interesse por mais...
E nós vamos convidar a mais! Fui para casa refletir na forma como este convite se poderia transformar numa provocação...
No dia seguinte em conversa com o grupo, sentados (estrategicamente) frente ao espelho da sala, questiono...
«Onde está a K.?» Milena
O grupo olha para si, a K. é encontrada!!
«Está ali!!» Todos
Chamamos cada amigo pelo seu nome, hoje estamos todos na escola. Fizemos um registo das fotos de todos os amigos da nossa sala! Até que uma das crianças continua o jogo:
«On(de) (es)tá a Nena?» M.
Todos olham para mim, «Estou aqui!», digo eu! E dou continuidade ao jogo: «Onde está a Cristina ( a nossa auxiliar)? O grupo todo aponta na sua direção! Repetimos o registo!
Resolvo ampliar a conversa e o exercício também! «Quem estava na sala quando chegaram hoje?
«A Sil(vi)a!» D.
Então fomos á procura de todas as colegas que fazem o acolhimento!!
Encontrámos a Sílvia na sala dos bebes!
E a Leonor também!!!
Também encontrámos a doce Paulinha!!!
O jogo ganha forma e pergunto: «Quem faz a nossa sopa?»
«A Or(l)ga!» L.
«A Ca(r)la!» C.
No refeitório encontrámos a Teresa a preparar as mesas e a C, chama por ela, «Te(re)sa!»
Ao passar no corredor, perto da sala dos amigos crescidos, a M. chama «Cata(r)ina!»
Resolvemos entrar.
Explicámos à Catarina o que andávamos a fazer e convidámos os amigos a tirar uma foto para completar o nosso registo.
Voltámos para a sala e a M., lembra-se de mais alguém...«a Te(l)ma?»
A Telma é a nossa coordenadora e um elemento muito querido por toda a escola. Fomos ter com ela, explicámos o que andávamos a fazer, mostrámos as fotos que havíamos recolhido e também a fotografámos!
Tínhamos passado uma manhã fantástica a lembrar as pessoas que nos são queridas na nossa escola.
Somos uma escola de gentes que nos olham de verdade . Gente que nos acolhe, nos segura na mão...Gente que cuida que gosta de nós. Somos uma escola de olhar atento. Somos pedras que constroem Pontes e destroem muros...
Lembrei-me do texto do Mestre Freire
Senti chegar um novo projeto!!Uma escola feita de gentes."Escola é… o lugar onde se faz amigos nao se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, o coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmao...gente. Nada de ´ilha cercada de gente por todos os lados´. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir que nao tem amizade a ninguém nada de ser como o tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola nao é só estudar, nao é só trabalhar, é tambén criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se ´amarrar nela´! Ora, é lógico... numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz” por, Paulo Freire
Afinal somos seres sociais, inseridos numa comunidade que nos diz muito!
Crianças, e adultos formam esse grupo de referência a que damos o nome de escola!
Aqui e com estas nossas gentes, aprendemos muito sobre o Eu, os Outros e o Mundo.
Desenvolvemos atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos, além de construirmos uma imagem positiva de nós mesmos, alargando a confiança nas nossas capacidades para enfrentar as dificuldades e os desafios;
Com estas gentes, nós partilhamos objetos, espaços e afetos com crianças da mesma faixa etária, bem como com as mais velhas e claro com os adultos;
Comunicamos com os colegas e os adultos, procurando compreendê-los e fazer-nos compreender;
Com muitos adultos aprendemos a cuidar de nós, da nossa higiene, bem como nos momentos de refeição ou no recreio;
Com estas gentes, aprendemos a respeitar regras básicas de convivência social nas interações e nas brincadeiras;
Juntos, valorizamos a diversidade ao participar em situações de convívio com as mais diversas diferenças;
Juntos aprendemos a resolver conflitos, ou pequenas situações problemáticas, nas interações bem como nos momentos do brincar.
Na nossa escola todos são gente.
Todos são importantes.
Todos somos escola!
Não vos parece um novo projeto a nascer aqui??