Serões de poesia com Severino Antônio

Hoje é terça-feira.
Em tempos de isolamento social, terça-feira é sinónimo de encontro.
Um encontro de fim de dia... e eu quando penso no fim de dia, lembro os cavalos da nossa lezíria a voltar do campo para dormir na beira do rio, como quem volta a casa.
Mas, este encontro, não é um encontro qualquer, ele é um encontro com duas pessoas-Luz, que eu aprendi a escutar de olhos fechados...
Eles são o professor Severino Antônio e Kátia, sua doce esposa.
São o rosto da poesia que gosto de ler e vocês nem imaginam como eles me impelem a escrever...
sempre que escuto as suas vozes, pego na caneta e no papel e as palavras nascem ali...
hoje foi um desses dias...
Parece que pouco escutei do que declamaram, sim porque eles não falam, declamam poesia a cada palavra dita, é um encantamento escutá.los...

Logo me lembrei essa linda mensagem do Pó de Sim
«Agradece e tem fé no que vier...»
 Assim que escutei o título deste encontro, o meu coração acalmou... «Educar, educar-se em solidão e presenças»... que tema acolhedor...
e o papel que tinha á minha frente inundou-se de palavras, que vim aqui partilhar convosco... espero que vos inunde de acolhimento, tal como a mim...


«Vivemos uma solidão habitada por presenças lindas. Somos momentaneamente feitos de silêncios e de escuta.
Embora longe do mundo, temos connosco as crianças. A crianças da nossa casa, e as outras, da nossa escola.
Por isso hoje, pensamos neste Educar e educar-se. Este é um caminho partilhado, entre o Eu Pessoa e o Eu professora. Então penso...
A criança ela aprende, na apreensão, nesse diluir do mundo em si, por isso ela precisa de mim para saber do mundo.
Elas, as minhas crianças de casa e as outras, as crianças da escola, precisam de mim, precisam de saber que podem contar comigo
Nesta apreensão, neste diluir, elas precisam mim para nortear, para caminhar como estrela que guia sem se impor, como um sol que ás vezes se transforma em sombra, diminuindo o calor sem retirar a luz...
Precisam que eu seja o Seu adulto companheiro, que caminha lado a lado, numa protecção, numa aceitação de cada uma das suas decisões, cuidando e protegendo, amparando sem anular a coragem e o risco de cada decisão.»
Levanto a cabeça e escuto a Kátia falar numa questão que vamos refletir neste encontro:
O que esperam as crianças de nós neste momento? Como devemos falar com elas sobre o que estamos a viver, hoje?»
Registo três tópicos antes de voltar a navegar nas minhas palavras outra vez...
Escrevo no papel:
A escuta do adulto, o seu exemplo, como espelho de vida, de futuro.
O afeto.
E ouço a voz do professor Severino declamar...
«À criança não basta ser querida, ela precisa sentir. Mais que SER querida, ela tem de SENTIR-se assim»
 Volto á escrita e continuo...
«A criança é naturalmente empática. A empatia salva-nos da maldade, ela é uma preciosidade, e as crianças são ricas nesse sentimento da alma com tudo e com todos os que ela encontra...
Ela cuida e ama os paus, as flores, os animais feitos de dobragens de papel, as bonecas, as pedras, o peixe que vive no seu aquário... Ela não cuida só, ela conversa, aprende e ensina a vida a cada um deles.
A criança dá vida, ela vê vida, ela vive a vida assim... na simplicidade das coisas da vida, ela vive no animismo da delicadeza.
Tanto que temos para aprender com elas...
Onde está essa capacidade pura de ver a alma das coisas?
Aqui está algo que devemos recuperar, educar-nos para reencontrar a empatia, o animismo nas coisas bonitas da vida.«
Levanto a cabeço e temos um novo item para refletir, escuto atenta, registo como posso...
Como podemos falar deste isolamento, deste momento ás crianças? Esqueçam os discursos científicos, usem a simplicidade, as coisas, os conceitos que ela conhece e façam comparação entre eles, e a criança compreenderá.
 Apresso-me a escrever inspirada...
«Evitar explicações elaboradas. ( porque as crianças não têm fechados esses conceitos, elas não os entendem e não os conseguem aplicar.)
Mas elas entendem as pedras,  as flores, os bichos, a água, o frio, o inverno e a primavera. Elas já viveram isso tudo, sabem como sentir, sabem ao que cheiram, sabem o que fazer perante cada um desses conceitos.
Então penso em analogias para elaborar uma explicação...
Imagino-me numa conversa e explico (neste caso, escrevo...)...
Estamos em casa, como está na gruta o urso, durante o frio do inverno. Ele precisa de ficar quente e protegido, assim como nós, resguardados desse bicho frio que nos dá arrepios como o vento do inverno.
Mas não faz mal, porque depois do inverno, vem a primavera, e com ela as flores. Com as flores , chegam a voar as abelhas e com elas chega o tempo do mel!
E porque os ursos adoram mel, eles levantam-se de dentro da gruta, espreitam o sol da primavera e ficam a saber que o inverno terminou.
 Ganham coragem e ousam sair para a floresta outra vez. Aquele foi o momentos pelo qual o urso esperou durante todo o inverno...
Estas analogias sossegam o coração, (até o meu que a imaginei...).
É verdade as analogias trazem á criança conforto, coragem, escuta, aconchego.
Este animismo, esta empatia, traz a escuta pelo tempo que oferecemos á criança. Traz segurança e compreensão nos conceitos que usamos, referências claras carregadas de afeto.»
Depois?
Depois o encontro terminou com um renovado convite marcado na próxima terça-feira.
Eu vou e tu estás convidado a vir também.

Milena Branco

PS_ Num rasgo de loucura vou partilhar também com eles estas palavras!